sábado, 5 de setembro de 2009

"TRAGA A BANDEIRA DE LUTA..." RELATO DE UM GRITO - 2005



Aos sete dias de setembro de dois mil e cinco, são sete horas da manhã. Preocupação ocupa as idéias. No dia anterior os telefones animaram e despertaram boa expectativa. Porém a chuva não parava de cair e a temperatura pedia mais um cobertor. A chuva continua e nos dirigimos para o ponto das vans, local combinado para concentração. Parece que São Pedro não dará trégua. Também quer Gritar, pensei.
Dez minutos de atraso e no local combinado estavam algumas pessoas, apenas uma para o mesmo fim. Juntei-me a ela e esperamos mais algum tempo – Grito nos aguardava as oito. “Ninguém mais vem. Tá chovendo. Tá frio. É feriado”.
“Vamos?” “Vamos”. Um telefonema, um companheiro certo de ir, deveria estar atrasado apenas.
“Cadê você? Dormindo?” “Não. Tem quantos aí?” “Dois”. “Vou de carro, tô chegando”.
Mais três minutos e chega o terceiro, com seu carro. “Vão bora”.
Saímos do centro de Macaé e a chuva continua.
Em direção a Cantagalo, Rio das Ostras-RJ.
“Não sei chegar lá”. “Vai, eu sei”.Entramos em direção ao distante distrito. “Ninguém vai, só a gente mesmo pra seguir essas idéias”.
Cazuza canta no rádio, “Viver é bom, nas curvas da estrada. Solidão que nada”. E assim embala a nossa ida.
No caminho muito verde, um asfalto recente onde a gente se apóia e a oitenta por hora tenta chegar logo.
Ninguém no caminho, a chuva parece que desistiu, também não acompanhou, só as nuvens negras mantém o sol distante.
Estamos chegando, alguns movimentos de pessoas, passamos pelos assentamentos dos trabalhadores rurais.
Três pessoas na estrada... “Estão indo pra lá, bandeira do Brasil, violão e caminhada”. “Taí o espírito”.
Chegamos primeiro, praça principal, coreto central, bares em volta, algumas casas e quatro minutos além do previsto, somos três. “Vamos descer”. “Tá frio, vai descer?” “Tô descendo, vou sentar no banquinho, esperar todos”.
Um senhor aparenta alguns anos a mais de sessenta. “Vocês estão pro grito dos oprimidos? Sim, é aqui? É, devem estar chegando vamos esperar”.
Dez minutos e chega a viola que passamos pelo caminho e a bandeira verdamarelazulebranca e as três pessoas que as acompanhavam.
Chegou mais um carro, um casal de senhores senta no banco da praça. Já conversávamos.
Um conhecido por telefone e mais nada. Todos a espera de mais alguém.
Mais um telefonema.
Pe. Mauro? Tô chegando, saindo daqui agora.
Dez minutos. Subimos no coreto, os três primeiros.
As cartolinas? Aqui. Quantas verdes? Amarelas? Azuis? Brancas?
Tem branca demais. Não tem problema!Vamos tentar montar. Dá pra fazer?
Dá. Não precisa ser certinha. É um processo de construção, em nossas mãos.
A viola já rolava e as pessoas cantarolavam...
“Eu sinto a presença de Deus, é na luta, é na luta, é na luta” e “Traga a bandeira de luta/ Deixa a bandeira passar/ essa é nossa conduta/ vamos unir pra mudar...”
Chega mais gente e vêm chegando mais, os moradores se aproximam.
Já descemos do coreto. Nesse momento já somos quase duas dezenas.
Chega mais um carro. Comecemos.
Estamos aqui, hoje, para gritar, contra todo e qualquer tipo de exclusão...
O companheiro Josivan, da CPT (Comissão Pastoral da Terra), direcionou os primeiros cumprimentos e as primeiras reflexões e as boas vindas. Seguindo, a companheira Ivânia direciona um trabalho em que colocaremos em uma cruz as formas de exclusão que mais nos tocam e machucam. Todos falam, contribuem.
Criança cheirando cola, mendigos nos sinais, juventude sem escola, demora de resoluções da justiça, discriminação de gênero e cor, falta de comida, violência no campo...
Após apontar as exclusões é a vez dos sonhos. Momento de discutir sobre o tema do Grito 2005 “Brasil: em nossas mãos a mudança” através da construção da bandeira nacional com as treze cartolinas coloridas. Marcel direcionou a atividade em que cada cartolina representa um sonho de Brasil, um sonho de mudança que cada um tem.
Profissionalização para os jovens trabalharem na indústria do petróleo; mudanças nos rumos da economia e do governo; governos populares e democráticos que tenham efetiva participação e decisão do povo; verdadeira distribuição de renda e terra para todos terem oportunidade; maior organização popular para lutarem por seus direitos; combate à corrupção; um país sem violência onde todos sejam iguais...
Agora, com um prospecto de bandeira, sem correção em detalhes e sem descrição central, na faixa branca, lembramos que o dizer da bandeira está incompleto deveria ser “Amor, Ordem e Progresso” sem o amor não existe ordem e de nada vale o progresso.
Partimos para a caminhada até a igrejinha católica de Cantagalo, Capela do Espírito Santo, disseram ser uns três quilômetros de distância.
“Traga a bandeira de luta/ deixa a bandeira passar/ essa é nossa conduta/ vamos unir pra mudar”
A bandeira do Brasil, que veio com a viola, agora estava à frente. E as várias faixas com dizeres diversos, seguidos pelas pessoas que cantarolavam embaladas pela emoção do dia, pelo grito travado e pelo som da viola. Pelo caminho os carros passam em direção oposta, uns quatro ou cinco no máximo. Nos intervalos de algumas canções, recitamos: Brasil - Em nossas mãos a mudança.
Recebidos na igrejinha, está a mesa posta, penduro a bandeira num mastro improvisado e pude ver as ofertas dos trabalhadores daqueles assentamentos. Doces, bananas, melancias, verduras, legumes, tudo ofertado, em frente ao altar.
“Bem aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. /Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. /Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. /Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos. /Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. /Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. /Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. /Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. /Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa”.
Dessa forma nos inspiramos para mais uma etapa de partilha de pensamentos e idéias, e lembramos de vários mártires que foram perseguidos pela justiça e igualdade, os missionários em meio à luta pela terra, os grandes lutadores pelo bem da humanidade todos nominalmente citados, os de perto e os de longe.
Caminhando para o final do Grito, uma oração feita por um trabalhador rural do acampamento Presidente Lula, chamado Gaúcho, pede a benção dos alimentos e “que não falte na mesa de ninguém um pouco que seja para sobreviver essa é nossa luta”. E acrescentou que “enquanto tiver um ou uma companheira ou companheiro sem terra para plantar e colher nós estaremos lutando e da mesma forma, se falta comida para alguém estaremos na luta”.
Rezamos todos o Pai Nosso ecumênico e fazemos a partilha das ofertas apresentadas. Ao final, ao som da viola embalando “Cio da Terra”, um belo almoço com frango e aipim dali daquelas terras.
Já é meio dia e retornamos, de carona e com os companheiros de luta, Andreína, Ivânia, AuAu e Lurdinha. A chuva volta às 13 horas, todos em casa.


Marcel Silvano

Um comentário: