terça-feira, 30 de março de 2010

SONHOS NÃO SE VENDEM

Pelas ruas daquela cidade, vários jovens batiam de portão em portão. Por todos os bairros, estavam sempre dois a dois. Moças e rapazes de todas as cores e origens. Como um enxame de abelhas entrando pela porta da cozinha e atravessando toda a casa até saírem pela varanda da frente.

Em casas humildes, compostas por madeiras e tábuas em vielas de chão de barro em predominância de lama. Em casas medianas. Em mansões dos grandes condomínios, daqueles que se aproveitam de áreas de preservação ambiental para especulação imobiliária forjar o paraíso.

As pessoas olhavam pelos cantos das portas, se escondendo por detrás das cortinas.

- São vendedores de enciclopédias... Sussurou com o marido.

- São testemunhas de Jeová... respondeu ele com a mesma discrição.

- Não tenho dinheiro! Disseram os dois.

O filho mais novo acabara de chegar do futebol da manhã de sábado. Desta vez o time da rua jogara contra o do bairro vizinho.

Encontrando aqueles dois jovens, deu bom dia.

Recebeu uma caixa, colorida. Brilhava como se o suor do jogo em contato com o metal da pequena caixa que cabia em um palmo de mão despertasse uma eletricidade mais potente que os refletores do Maracanã, do Sambódromo na Sapucaí, das luminárias do Cristo Redentor e do farol da Ilha de Santana juntos.

Foram os dois para a casa ao lado.

- O que é isso? Perguntou a mãe.

- Com quem pegou dinheiro emprestado? Bronqueou o pai, tomando a caixa das mãos do menino.

O brilho logo esmoreceu e a caixa acinzentou e parecia diminuir.

- Não sabem vocês que sonhos não se vendem.

Era sábado de páscoa. Os cristãos celebravam a ressurreição e a primeira aparição de Cristo após morte na Cruz. As mulheres foram procurá-lo no túmulo e encontraram a pedra removida e os panos pelo chão (Lc 24, 1-12). Dois dos discípulos correram para confirmar e os anjos anunciaram o que havia acontecido. Ao caminho de Emaús aparece Jesus e testa a sabedoria, a fé e o sonho de dois dos discípulos (Lc 14, 13-35).

quinta-feira, 4 de março de 2010

ROYALTIES PRA QUEM, CARA PÁLIDA*?



* Começo pela explicação do termo utilizado no título. Nada tem a ver com nossa história de terras, descendentes de índios e muito menos comparando nossos tão ricos (em cultura, organização e história) brasileiros indígenas. A cara pálida foi a forma que encontrei para não dizer “cara de pau” logo no título. Os indígenas que me perdoem.

Saí de casa, por sorte encontrei um ônibus chegando ao ponto. Corri para aproveitar o sinal vermelho, atravessar a rodovia e embarcar. Caso perdesse, sabe-se lá quanto tempo ficaria a esperar outro meio de transporte.

Chegando ao centro da cidade, ironicamente em volta da Câmara Municipal, cartazes com alguns dizeres no mínimo interessantes. “Se o royaltie acabar, todo mundo vai quebrar”, uma outra que eu não consegui ler direito e mais uma, se dirigindo ao presidente. “Lula o Rio está em suas mãos. Para a emenda Ibsen mande votar não”.

Dois pontos depois eu fui para frente do ônibus, pois já chegava meu destino. Flagrei um papo do motorista com um senhor. “Eles querem é manter as parcelas no bolso deles”, disse o senhor que logo emendou, “para o povo não vejo nada”. Daí o motorista completou o que está no fundo do coração de muita gente. “O melhor seria acabar mesmo”.

Lembrei com clareza a reunião do núcleo da Pastoral da Juventude ontem na casa do Pe. Mauro. Levantei uma questão. De onde está partindo esse movimento? Do povo que não é. O movimento está partindo dos setores que só se beneficiaram com os royalties.

Aproximadamente 20 anos de muito dinheiro através dos royalties chegada a hora de pensar de que serviram os recursos e como deve se posicionar o povo a partir de agora, com esse espaço que se abre para um novo debate, novos critérios e práticas alternativas para os milhões que despencam nos cofres públicos devido a exploração do petróleo.

A FAVOR DOS RECURSOS, MAS COM OUTRO DEBATE

Bem, é claro que ninguém que vive e acompanha as questões relacionadas a indústria do petróleo na região não quer que os recursos deixem de chegar. Mas não dá para fazer um discurso dos royalties pelos royalties, apenas. Não dá pra cair num ato oportunista e puramente eleitoreiro.

A tentativa é colocar uns do lado dos que defendem tudo como está e outros que não defendem. Mas existe uma terceira via. Um terceiro debate, outro entendimento para tratar essa pauta.

Os anos que as cidades da região receberam esses recursos (em especial Macaé, Campos, Carapebus, Quissamã, Rio das Ostras, Cabo Frio e em menor escala Casimiro de Abreu e Conceição de Macabu) serviram apenas para criar um ciclo vicioso, grupos familiares se revezando através das piores práticas do clientelismo, do autoritarismo e da não-participação popular nas definições de prioridades. Meia-dúzia de pessoas enriqueceram a maioria da população ficou apenas com as mazelas do não planejamento e da falta de compromisso dos gestores públicos com a população.

O novo debate reconhece, em primeira linha essa prática detestável de gerir os recursos dos royalties, e aponta para caminhos novos, com prioridade no desenvolvimento sustentável das cidades, na democratização radical nas definições de aplicações dos recursos, com orçamento participativo, conselhos populares na fiscalização e na discussão do dinheiro.

O que não cabe mais é que municípios como Macaé, com cerca de 200 mil habitantes tenham exorbitantes orçamentos (1bilhão e 300 milhões de Reais aproximadamente em 2010), e a cada dia que passa o que sobra pro povo é mais impacto do inchaço populacional como violência, tráfico de drogas, transporte precário, ruas arrebentadas, esgoto a céu aberto, destruição da natureza etc.

MACAÉ MERECE MUDAR

Macaé merece os recursos. Mais importante que isso. Macaé merece mudar! Mudar a forma de administração, mudar as prioridades, mudar os governantes, mudar a vida da população.