domingo, 26 de julho de 2009

Quando tudo envelhece


A grande sala estava toda preparada. Cadeiras vermelhas, bandeiras espalhadas sinalizavam as principais histórias que as pessoas esperadas teriam para contar. As luminárias em peuenos formatos arredondados, eram parte integrante daquele teto branco com imagens em vermelho e amarelo com símbolos e desenhos que representavam muitas coisas, que não consegui entender.
A hora estava a avançar e a sala aguardava com a mesa central, sob o palco que lembrava um teatro ao estilo rústico e muito bem rebuscado. As cortinas vermelhas entreabertas escondiam ao fundo as bandeiras da localidade, da regionalidade e da nacionalidade, coisas que já não eram mais utilizadas devido aos vestígios de uma história nebulosa e sombria que nenhum dos que chegaria ali gostava de lembrar.
Aos poucos um a um chegava e buscava seu lugar. Como em uma cena muito bem produzida e dirigida as cadeiras eram ocupadas em um ritmo que lembrava a guitarra de George Harrison.
Comecei a olhar cada rosto dos que adentravam e buscavam acento. Eram jovens, segundo eles próprios. Mas achava estranho: as rugas brotadas e os cabelos ralos acentuados, para não falar no descolorido dos fios capilares da boa maioria. Tentava entender o que significava aquela juventude tão propalada. Nos rostos e no vestir era visível o passar dos tempos daqueles. Daí as cadeiras já passam a perder o formato inicial. Talvez chegassem a duas centenas delas, todas em vermelho. A sala ia tomando nova forma. O ar passa a ser disputado por cada pulmão cansado, pela tosse incontrolada de sete deles. Foi possível contabilizar a tosse deles porque a cada sete minutos uma tosse diferente saltava a garganta em pontos diferentes.
Quando as cadeiras estavam a acabar, eles começaram a rearrumar a disposição delas. Um quase círculo foi formado, e outro e outro em torno do anterior. Talvez a disposição circular tenha algum sentido como os símbolos sobre nossas cabeças em vermelho e amarelo que ainda não consegui entender.
Da hora combinada passavam dois minutos e um dos que chegou, despercebido, sem muito alarde, tomou a responsabilidade de iniciar as saudações. Ele tinha subido as escadarias bem devagar e sem fazer barulho algum. Cumprimentou a poucos, e mesmo assim, sem qualquer alvoroço. Eram 158 presentes. Os microfones estavam preparados e o equipamento de sonorização ambiente ligado devidamente, em cima do palco.
Parece que não será necessário. Aquele que tomou a responsabilidade da saudação falou em tom ambiente, com seus próprios recursos físicos. A aparência frágil deixou a cena. Uma voz firme tomou os ouvidos de cada um dos agora 162.
- A presença importante para nós aqui, também é para os outros que desconhecem a existência desta sala e destas cadeiras vermelhas. A cada minuto de cada dia, de cada mês, são menos que podem estar aqui. Mas hoje quem partilha deste momento não morre. Não acaba. Não passa.
O número menor a cada encontro era um tema que preocupava. No inicio de tudo eram poucas as cadeiras e o chão era utilizado na composição do círculo. O chão formava o primeiro quase círculo, aquele que outro e outro e outro era feito ao redor.
Imaginei que pelas características frágeis no aspecto físico daqueles todos ali, o tempo fosse cruel pela idade avançada. Mas não era. Não estavam ali prestes a morrer de idade. Lembrei do poeta popular Zé Vicente, cancioneiro que embalava lutas e conquistas e pensei que tivesse alguma relação daquilo que acontecia e a poesia que Zé cantarola: “sonho que se sonha só, pode ser pura ilusão. Sonho que se sonha juntos, é sinal de solução”. Talvez tivesse possível entender alguma coisa que acontecia ali, consegui o caminho certo para descobrir de fato o que estava eu ali a fazer.
A fala inicial continuava e todos atentos tinham satisfação de silenciar.
- Vamos tratar hoje daqueles que não estão aqui agora, que estariam naqueles lugares vermelhos que ficaram sem ocupação. Quando andamos e encontramos um ou outro. Envelhecidos pelo tempo, pela maresia, pela ferrugem. Mas aqui não. Aqui, precisamos buscar uma proteção, para a ferrugem não corroer nossa força e vitalidade. A cada um que enferruja, mais envelhecidos ficamos. Mas aqui estou para saudar-lhes e apenas isso. Entendemos que hoje nosso encontro será rápido, apesar de fundamental importância da pauta. É que sentimos que a cada instante estamos mais envelhecidos nesta sala e temos sempre menos tempo.
Olhei para os lados, já fazia parte de um dos quase círculos e minhas mãos estavam tão enrugadas quanto a dos outros. Sentia a respiração mais pesada e dificultada. Quando uma mulher levanta e começa a falar. Ela se apresenta, como se os outros não a conhecessem.
- Sou Joana de Pártagonas e quero começar agradecendo ao Ernesto Silva por sua intransigente perseverança em estar com todos em todos os encontros que temos periodicamente.
Perguntei a pessoas que estava ao meu lado quem era ela. Joana e Ernesto tiveram divergências extremas durante muito tempo. Eles viam caminhos diferentes para combater a ferrugem. Mas hoje não é mais assim. As rugas e cabelos esbranquiçados dela, escondidos debaixo de um pano de cores vermelho e lilás que enrolava sua cabeça e a postura curvada e enfraquecida foram os motivos para que os dois pudessem avaliar que as diferenças de estratégias atrasavam as conquistas. Ela continuava a falar:
- Vi uma poesia que me chamou muita atenção e reacendeu alguns sentimentos perdidos ao fundo de tantos outros. Vou lê-la para nós.


- “O novo que nasce velho
velho de impotências, velho de demências/ velho de carências./
Novo que faz tudo/ tudo aquilo de novo/
novamente tudo contra o que me movo/ que vive idoso/
pois fingindo ser novo/ é nojo.
Nojo de pensar/ pensar naquilo que não sou eu./
Às vezes me sinto velho/ mais velho que um chinelo velho/
fora da estrada/ da caminhada/ da companheirada.//
Tão velho que não sonho mais. //
Como se fosse novo pra viver de novo/ Porque sonhar tanto e não viver nada?/
Ninguém sonha mais nada//
Cadê aquele sonho quente que deixa dormente e adolescente//
Mas quantos menos sonhos/ mais velhos somos/
Mais sonhos precisos para acertar calendários e deixar de ser otário/
Sonhos revolucionários contra delírios milionários”.


Após aqueles versos comecei a entender o que acontecia por ali. Vi todos que estavam ali saírem, indo para a rua e deixando as cadeiras vermelhas ainda em formas de quase círculos, um após o outro. Saí junto, todos em silêncio como um silencioso andar apara não acordar quem sonha. Ao descer as escadas puder notar a respiração mais fácil e percebi que sumiram as rugas das mãos.
Parei um instante e fui novamente observar a todos, um a um. As características frágeis de quem já teria muita idade ia deixando de compor as formas, deixando o cenário. Entendi um pouco daquilo, mas nem tudo ficou explicado.
Aí sim, ao final saiu a senhora, mas que senhora? Não havia mais postura curvada ao final da escada e nem brancura nos cabelos. Ela vinha acompanhada de um rapaz que trazia um vigor e uma jovialidade de causar medo. Tentei falar com eles, que conversavam bastante, os únicos que falavam.
Não me deram atenção porque a conversa se alongava. Tinham muito a se resolver pelos problemas passados, pensei. Fui a ouvir a conversa e duas frases que me deram o alerta foram ditas, primeiro por ele e depois por ela:
- A cada minuto mais sonhos morrem e por isso envelhecemos. - Quando morrerem os sonhos todos e tudo morrerá junto

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Escritos da liberdade - Parte 1


Encontro das tardes clareadas pelos entendimentos e achismos, de um mundo pós alguma coisa que ainda não é nada. Fazer dos lidos, e pensados, e rascunhados, partes da oferta no grande altar da partilha: de utopias, de libertação.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Chegada

Há momentos em que alguns fatores de nossas vidas precisam de algum tipo de registro. Qual o melhor registro eu não sei. Não existem melhores caminhos nem ferramentas para o registro mesmo que de pequenas contribuições para a história. Histórias que nem sempre são tão relevantes assim para comporem os fatos de registro da humanidade como um todo, mas talvez sirvam para um setor, pequeno talvez desta mesma humanidade. Afinal, a humanidade é um coletivo que também não se explica e nem se entende. Pensamos, às vezes que podemos entendê-la e até conquistá-la mas não há certezas, só lutas.
Lutamos para enterder a nós mesmos, e lutamos para explicar a nós mesmos. Mas o mais belos que temos é que sonhamos, até mesmo acordados! E, os sonhos acordados, normalmente, são os mais encantadores, pois não são esquecidos. Não só pelo esquecimento, mas por serem perseguidos. E serem sonhados com mais constância.
Mas é assim e por isso que tentamos entender a nós e a humanidade, para a luta pela conquista dos corações e dos sonhos por um mundo melhor e justo seja menos tortuosa e mais objetiva. Às vezes esses planos e essas percepções não são registradas. Os registros são merecidos para sonhar a para juntar sonhos.
Talvez esse espaço ilumine um pouco as angústias, pelas opiniões e pelo entusiasmo de partilhar momentos e palavras.
Por isso sub-entitulei este espaço como "momentos que escrevemos para lembrar o que somos e do que pensamos. Palavras reafirmam os caminhos que as vezes vão para o céu e às vezes para o mar. No fim, mar, o céu, as palavras são infinitos. Tamanhos, intensidades, valores e interpretações... infinitos... Tudo aqui... ou não"
Sejam bem vindos!!!